A Província

A introdução da agricultura comercial

Data: 16/05/2017

A PROVÍNCIA do Maputo está em condições de produzir mais comida, principalmente hortícolas, fruta e, no caso de cerais, arroz, se for feito um aproveitamento integral dos recursos existentes.Maputo.

De acordo com a directora provincial da Agricultura, Leonor Neves, para além da agricultura, Maputo está a conhecer um grande crescimento também na componente pecuária, essencialmente na criação do gado bovino, de tal forma que o plano estratégico da província, no geral, olha para aquelas culturas e a criação de animais como áreas prioritárias.Numa entrevista concedida ao nosso Jornal, a directora provincial deixou claro que o facto de se dar maior atenção àquelas culturas não quer dizer que as outras não sejam importantes, mas o Governo, ao fazer investimentos, deve dar a estas maior prioridade, sem colocar de lado a batata-reno, que foi relançada há sensivelmente quatro anos e que está a merecer uma atenção especial.NOTÍCIAS (NOT) - Senhora directora, a província do Maputo tem sido ciclicamente afectada pela seca e a grande parte da população pratica agricultura de sequeiro. Como equaciona a intenção de se produzir mais comida nestas condições?  LEONOR NEVES (LN) - É verdade que a maior parte da população pratica a produção de sequeiro, mas também tem a componente regadios, ainda que não estejam a funcionar em pleno, mas criam condições para a produção de hortícolas. Agora, um dos grandes problemas que nós temos é o processamento e conservação destas hortícolas, mas o plano estratégico prevê também esta componente, para além de que a província, no seu cenário médio fiscal, augura a reabilitação e construção de sistemas de rega e infra-estruturas pecuárias de forma a responder aos desafios previstos. Importa dizer que começamos no ano passado o desassoreamento do canal principal da vala Moçambique, no distrito da Manhiça, onde já conseguimos fazer sete quilómetros, e acreditamos que já se pode fazer qualquer coisa. Temos lá dez mil hectares compostos só de caniço e, como temos consciência da falta de recursos, queremos pouco a pouco ir aumentando o perímetro irrigado. O nosso desafio, por exemplo, neste ano, é reabilitar pelo menos 500 hectares irrigáveis, onde vamos produzir arroz e hortícolas alternativamente. Portanto, é um programa que ainda reconhecendo a escassez de recursos continuamos a fazer e não vamos esperar até conseguirmos ter dinheiro suficiente para resolvermos todos os problemas, o que vamos fazer é irmos ampliando o nosso perímetro irrigado de forma a respondermos a esta situação cíclica de estiagem e reduzir a dependência.NOT - Antes da intervenção estes dez mil hectares não estavam a ser explorados na totalidade?LN – Não! Senão aquele caniço que se pode ver na baixa de Mawocha Homu. Esta é uma componente de reabilitação, mas temos outras de construção de raiz, como, por exemplo, na comunidade de Matsequenha, no distrito da Namaacha, onde construímos um regadio com uma área irrigada de dez hectares com possibilidade de ser ampliado até 40 hectares. Está lá uma associação a trabalhar. Estamos a fazer também outros esforços para conseguirmos alargar estas acções de criação de condições para multiplicar a produção, mas o que nós sentimos é que, uma vez aprovado o nosso cenário médio fiscal do período 2012/2014, onde incluímos orçamento para a componente ampliação, vamos ter a capacidade de fazer as coisas relativamente mais rápido do que está a acontecer neste momento.NOT - Como tem sido o envolvimento das comunidades na utilização destas infra-estruturas?LN – No geral, todas estas infra-estruturas estão com as associações. Quem está a explorar os regadios são as associações dos camponeses, embora haja uma e outra situação em que estão lá os privados a utilizar alguns sistemas. Estamos, por exemplo, em processo de negociação para ver se fechamos um acordo com um privado que tem perspectivas de instalar uma unidade de processamento nos blocos 1 e 2 na Moamba, além de fazer o fomento da cultura de tomate. Conforme se pode notar, com o comportamento do mercado quando se chega ao pico da produção de hortícolas o preço do tomate baixa tanto por causa da superprodução e há muito desperdício e o que pretendemos é que tenhamos uma entidade que além de fazer o fomento possa processar e assim criarmos o mercado para este produto e seria uma mais-valia que vai estimular também os outros produtores. A ideia é estancar o problema cíclico que temos, onde as pessoas produzem, o mercado fica inundado e não havendo condições para o processamento os produtores não se sentem estimulados para fazer mais.NOT - Esta seria, digamos, uma indústria de processamento do tomate, mas não se pensa na criação de capacidade dos próprios produtores conservarem para depois mandar para o mercado?LN – Importa referir que o plano estratégico do Ministério da Agricultura prevê três entrepostos, um deles na província do Maputo, como uma zona de grande potencial que vai permitir criar condições para a conservação nesta vertente, para que pelo menos os produtos frescos possam ser conservados antes de irem ao mercado ou à indústria. Mas o mais importante é que tenhamos esta cadeia completa, porque ainda que se conserve o tomate por algum período que permita levar ao mercado precisamos de ter a componente processamento, que permite fechar o ciclo.NOT - Quer dizer que mesmo que se habilite os camponeses em termos de conservação se torna importante ter o processamento final…LN – Sim! Porque o pré-processamento permite colocar o tomate no mercado, mas há momentos em que temos um pico, de facto, e o mercado é insuficiente para absorver a produção, porque alimentamos a cidade e a própria província. Em termos de produção já fazemos o suficiente para este agregado, mas a forma de distribuição cria um fosso em que nalgum momento há escassez de produtos por falta destas condições de conservação. Há momentos em que as condições são muito favoráveis e noutros a produção é feita em situações um pouco mais difíceis e o produto sai mais caro porque não temos esta componente conservação e não temos como contornar. Se tivéssemos estas condições poderíamos produzir mais barato e conservar para momentos de maior consumo. A estratégia do sector agrário é encontrar respostas para estes cenários através da promoção e criação de condições de conservação de produtos frescos para posterior fornecimento ao mercado.NOT - Qual é o nível de crescimento da produção na província do Maputo?LN – Agora estamos a falar de 280 mil hectares em termos da área de produção e se nós estivéssemos a colocar todos os insumos necessários e tivéssemos a cadeia completa esta área seria suficiente para responder às nossas necessidades e sobrar para exportar. Mas temos situações em que há pessoas com áreas que não estão a explorar e começamos uma campanha de selecção no sentido de promover a sua utilização e revogar os títulos daqueles espaços que não estão a ser usados e que já tenha passado o período concedido, porque a lei assiste aqueles que ainda estão no prazo de mora. Para os nacionais são cinco anos para começar a explorar e ainda que o terreno se mantenha ocioso a lei o assiste e não há espaço para revogarmos enquanto não passar este tempo. Quando fazemos a fiscalização deparamos com este tipo de situações em que o terreno fica mato, mas se torna difícil revogar a atribuição e neste caso fazemos apelos para que utilizem o espaço, mas em relação àqueles que, de facto, passa muito tempo nós revogamos. Agora, há situações também em que a lei prevê a justificação do plano de exploração. Vamos dar exemplo de alguém que pediu 100 hectares e quando vamos ao terreno encontramos uma situação em que só está a utilizar 60 hectares e escreve para o Governo a justificar o incumprimento, pedindo mais tempo para o efeito. Normalmente damos dois a três meses para o cumprimento do plano, mas importa dizer que só o facto de estar a cumprir em 60 porcento já é um indicativo de que há um trabalho no terreno e no exercício de boa fé não se pode revogar, porque há uma cláusula na lei que permite que se justifique o incumprimento do plano. Agora, existem aqueles que pedem 100 hectares e passados cinco anos não têm nada. Aí não há perdão e nem há espaço para justificação do incumprimento do plano. No ano passado, por exemplo, revogámos títulos de 70 parcelas, num total de três mil hectares. O que tem acontecido é que geralmente quando alguém pede espaço faz-se consulta se vai fazer nele uma machamba, uma casa, uma cantina ou um outro empreendimento qualquer, mas enquanto não estiver a utilizá-lo as comunidades assumem que o terreno não está ocupado e vão fazendo machamba. E num cenário desta natureza damos prioridade às comunidades que usam o espaço e uma vez revogada a atribuição não mexemos mais, mas se for um espaço que não é propício para a prática da agricultura e aparece alguém que queira desenvolver uma actividade de rendimento concedemos. Temos o exemplo da Ubunto, que provou ser uma empresa séria na produção de arroz em Matutuíne, já tem lá maquinaria, acampamento e está a produzir sementes, tem uma unidade de processamento e está a construir silos. Para estes casos, havendo alguma revogação, colocamos logo o mesmo à disposição. Portanto, temos estas linhas: revogação para colocar aqueles que querem investir, onde damos prioridade aos investimentos na área da produção de alimentos, a outra revogação porque nalgum momento as comunidades estão lá e no âmbito da ocupação de boa fé não podemos mexer.NOT - Será por causa desta ocupação de boa fé que se diz que a população estaria a dificultar a cedência das parcelas para a implantação do projecto da Ubunto?LN – Pelo contrário, a população não tem nenhum problema quanto a isso. Na última visita que o ministro da Agricultura fez ao distrito de Matutuíne, por exemplo, a população pediu para que o Governo acarinhasse o projecto e dar o máximo apoio porque o que a Ubunto precisa é ter uma produção que permita alimentar permanentemente a fábrica que deve ser numa área de seis mil hectares. Neste momento o Governo trabalha para alocar este espaço. Mas num trabalho mais largo, incluindo a componente fomento, o espaço requerido vai até acima de 20 mil hectares. Portanto, neste momento a Ubunto tem espaço para produzir mas ainda não conseguiu os seis mil hectares que precisa como área mínima de segurança para viabilizar a componente fábrica como unidade económica. O Governo está a trabalhar no sentido de alocar esta área e lá temos títulos de áreas que não estão a ser usadas, mas outros são estes que ainda não completaram o tempo que por força de lei não podem ser revogados. E deixa-me dizer que este tipo de solos para a produção do arroz quando fica muito tempo sem se usar ganha salinidade por causa do calcário. Estamos a perder um potencial quando há pessoas que querem trabalhar e é esse trabalho que o Governo está a fazer para permitir viabilizar este investimento grande que está a acontecer em Matutuíne. Este projecto da Ubunto enquadra-se no nosso plano estratégico, porque tem toda a cadeia, desde a produção de sementes, passando pelo empandeiramento das comunidades até ao processamento final. Quando nós alcançarmos o pico da produção desta empresa estaremos a cobrir acima de 20 porcento das necessidades nacionais em termos de arroz. É um investimento que vale a pena acarinhar e temos obrigatoriedade de ultrapassar todas as dificuldades para viabilizar este projecto.NOT - Neste envolvimento das comunidades na cadeia de produção da Ubunto estão acautelados os direitos dos camponeses em termos de benefícios de um investimento desta magnitude, bem como a absorção da sua produção?LN – Estão sim! E inclusive os contratos vão ser assistidos pelo Governo, nós aqui na DPA temos gabinete jurídico, além de que o distrito também vai acompanhar todos os passos para não termos nenhuma situação de incumprimento. Enquanto tudo estiver no papel não haverá nenhum problema porque vamos assistir as comunidades. Por outro lado, neste projecto os camponeses deverão sair de três para dez hectares em termos de área de produção. Nestes termos não há qualquer possibilidade de alguém produzir e não ter como colocar o produto, porque toda a distribuição dos insumos vai ser feita pela empresa e nos termos da cooperação temos técnicos moçambicanos e vietnamitas que vão assistir estas famílias envolvidas. Está prevista também uma troca de experiências e capacitar as próprias comunidades em termos de técnicas melhoradas de produção.NOT - Qual será a mais-valia desta troca de experiência em termos de produtividade?LN – A média actual do sector familiar é de três toneladas de arroz por hectare, mas num sistema de fomento podemos produzir entre sete a dez toneladas por hectare e esta experiência da Ubunto deverá ser replicada por toda a província. Quando falei da reabilitação da Vala Moçambique, onde temos um potencial adormecido de dez mil hectares, temos a previsão de aproveitar esta técnica para disseminar em toda a província, porque para além de Matutuine e Manhiça com boas terras para a produção do arroz, temos também boas áreas para este cereal em Marracuene e um pouco em Magude, na zona de Motaze.NOT - Se Maputo tem este potencial quanto produziria se o sector estivesse a aproveitar em pleno?LN – Ainda não fiz as contas, não posso mentir…, mas acredito que se toda a área estivesse a ser aproveitada devidamente e com esta técnica da Ubunto a ser aplicada produziríamos muito mais.